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Gianni
Zion, líder de uma das mais antigas e maiores bandas de reggae
nacional, a cearense Rebel Lion, concedeu uma entrevista ao Groovin Mood
falando sobre a cena nacional, a evolução da banda, e sobre reggae,
claro, afinal Gianni é um dos grandes colecionadores de música jamaicana
do país.
Groovin Mood – Quem são os membros da Rebel Lion?
Gianni Zion
– Eu,Gianni – teclados, vocal (lead and backing), composições e
arranjos ; Rafa Pickney – lead vocal, guitarra (solo e ritmo);
Stefanni – lead vocal e guitarra ritmo ; Roger – baixo ; Tiago –
bateria; Eliakin – teclado, backing vocals; Lucas – sax alto e tenor,
percussão; Rômulo – trumpete e trombone, percussão.
GM – Todos se dedicam integralmente à Rebel Lion, ou exercem alguma outra atividade profissional?
GZ -
A maioria possui outras atividades. Eu tenho mestrado em Agronomia e
sou funcionário do Estado na área de recursos hídricos. O baixista tem
um pequeno restaurante. Stefanni faz faculdade na área de hotelaria. Os
demais exercem outras atividades ligadas à música: são músicos
free-lance em “festas e eventos”, dão aulas de músicas ou atuam em
estúdios de gravação.
GM – Todos os músicos são cearenses?
GZ - Sim, com exceção do Stefanni que é africano de Cabo Verde.
GM – O que vocês faziam antes de fazer parte da Rebel Lion?
GZ
– Apenas eu permaneci da formação original. Agora temos músicos bem
jovens, entre 20 e 25 anos, que antes da Rebel Lion atuavam em pequenos
grupos de reggae e até de rock, ou apenas cursavam o segundo grau ou
escolas de música, no caso do sopro, que veio de orquestras de sopro.
Entretanto esta intensa renovação contribuiu para a expansão do reggae
no Ceará, já que muitos músicos que começaram na Rebel saíram para
fundar outras bandas como a Alma Negra, Pedra Rara e Black Feeling. No
caso da Donaleda, uma das melhores bandas de reggae cearense, ela foi
formada com a participação de quatro ex-integrantes da Rebel Lion.
GM – Quando a banda foi formada, e como?
GZ -
A banda foi formada em julho de 1990. Desde 1976, eu já colecionava e
pesquisava sobre o reggae, vinha compondo baladas soul e música
brasileira, mas somente no fim da década de 80 senti que tinha
conhecimento e inspiração suficientes para tentar compor meus primeiros
reggaes. Decidi procurar gente para formar o grupo, cheguei a botar
anúncio no jornal à procura de músicos.Não
apareceram interessados, então juntei alguns músicos que já conhecia
para iniciar o trabalho. Merece destaque nosso primeiro vocalista, o
Utamma, que com sua voz e visual rasta tinha o feeling de um Bob Marley
ao vivo.
GM – Quais as principais influências da Rebel Lion?
GZ -
Como colecionador e pesquisador de reggae, acredito que seja quase
impossível fazer roots reggae sem uma forte influência do ícone Bob
Marley, sobretudo pela sonoridade do baterista Carlton Barrett e do seu
irmão baixista Aston. A Rebel se destaca por seu estilo bastante
semelhante ao típico reggae jamaicano da década de 70. Este som é obtido
não só pela timbragem dos instrumentos, mas sobretudo pela linha
melódica e pelos arranjos dos seus “riddims”. Além do clássico roots
jamaicano (Gladiators, Ethiopians, Justin Hinds, Max Romeo, Twinkle
Brothers, Wailing Souls, Gregory Isaacs, Linval Thompson, etc) a banda
tem forte inspiração nos sons obscuros de nomes como Jackie Brown,
Delroy Wilson, Johnny Clarke, Barrington Spence, The Tellers, African
Brothers, Ken Boothe, Sang Hugh, Eagles, Junior Ross, o que faz a banda
ter um espectro amplo dentro do que se pode chamar roots reggae,
incluindo o roots rock, one drop, flying cymbals, rockers, roots lovers,
rub-a-dub com umas pitadas de dub e dj. Os metais da banda tem
influência da dupla Bobby Ellis e Tommy McCook (trumpete e sax tenor).
Procuro improvisar uns djs ao vivo no estilo que fica entre U-Roy e
Trinity. Para os dubs, a la Channel One, a banda contará em seu trabalho
de estúdio com os mesmos equipamento usados na Jamaica, como e
Spaceexpander Reverb e o Space Echo, além do órgão hammond e tambores
nyahbinghi, que farão parte do arsenal.
GM –
Gianni, você é um dos grandes colecionadores e pesquisadores de reggae
do país. Quando e como começou essa paixão? E como anda sua coleção
hoje?
GZ -
Meu contato com o reggae foi por acaso. Em meados da década de 70 eu
tinha o hobby de sintonizar emissoras internacionais em ondas curtas,
através de um potente radio Transglobo. Ao mesmo tempo que isto
aprimorou o meu inglês, deu-me oportunidade de pesquisar músicas de
diversos países por curiosidade e pela afinidade com a música herdada
pelos meus pais – minha mãe tocava piano, meu avô era organista de
igreja e meu pai colecionador de discos eruditos e soul. Ao sintonizar
um prograna da Voz da América para a África, no final de 1976, eu tive
meu primeiro contato com o reggae. Aquele som simples, melódico e
dançante e as vozes exóticas de Bob Marley, Burning Spear e Gregory
Isaacs mecativaram de imediato.
Com a sensação de ter feito uma “descoberta”, já que na época quase
ninguém no Brasil conhecia o ritmo, eu passei a gravar fitas k-7 destes
programas com um som bastante precário e divulgar para os amigos. Em
1978 comprei meu primeiro LP, Rastaman Vibration do Bob marley. A partir
de 1979 passei a importar discos da Modern Sound do Rio e em 1980
encomendava gravações do Fã Club Bob Marley dos irmãos Ramalho, Rio de
Janeiro. No início da década de 80 comprei discos de colecionadores do
Maranhão, como Natty Naifson e Fauzi Beydoun da Tribo de Jah. No final
da década de 90, graças às revistas The Beat e Reggae Report, descobri
lojas internacionais como o Ernie B’s, de onde passei a importar LPs e
compactos raros de reggae. Com a internet, no início da década de 90
abriu-se um leque de fontes para importar as raridades de lojas da
Inglaterra, Suíça, EUA e Canadá, etc. Foi em 1995 que pude realmente
expandir a coleção com a minha primeira viagem à Jamaica. Foram 14 dias
com uma vitrola portátil na mão de loja em loja na caça aos vinis
jamaicanos. As fontes mais pesadas na ilha eram a Randy’s, a mesma do
estúdio em que o Bob gravou de 1971 a 1974, a Aquarius, com seus
milhares de compactos raros e as lojas do Studio One e do cantor Derrick
Harriot.Desde então fiz mais 2
viagens à Jamiaca, 3 aos EUA e uma a Londres com o objetivo de comprar
discos de reggae. Ao mesmo tempo permaneci comprando de lojas
internacionais e no novo milênio através de E-bay. Um grande aumento de
raridades no meu acervo aconteceu quando adquiri a coleção completa do
magnata maranhense Jr. Black e algumas raridades do Ferreirinha, dono da
radiola Estrela do Som e de outras djs de São Luís. Entre os destaques
da coleção que conta com mais de 6 mil discos de vinil (lps e compactos)
alguns destaques são a coleção completa do Gladiators (LPs, 12” e
compactos) e LPs raríssimos do Keith Poppin, Jackie Brown, Prince
Brothers, Eric Clarke, More Relation, Bobby Davis, Tru-Tones e compactos
que valem ouro no Maranhão como o melô de Fátima (Feel the Vibration do
Don Taylor). Vale ressaltar que 95% dos discos compreende a melhor fase
do roots reggae, de 1971 a 1982.
GM – Como foi tocar com grandes nomes do reggae, como Eric Donaldson, Owen Gray, Wailers?
GZ -
O que mais chama a atenção quando estamos diante desses legendários
nomes do reggae é a humildade deles. São pessoas simples e acessíveis,
sem frescuras de superstars. A primeira experiência em dividir o palco
com um grande nome jamaicano foi o segundo show do Jimmy Cliff em
Fortaleza, ainda por volta de 1993. Era um show acústico onde o Jimmy
usaria apenas teclado e guitarra. Como a Rebel Lion era a banda que iria
abrir o show, acabamos por ter um intenso contato com o artista na
passagem do som e o Jimmy tocou com o meu piano elétrico Rhodes e nossa
guitarra, além de passear pela cidade conosco.
Abrir
o show dos Wailers foi outro momento, marcante, sobretudo pela
oportunidade de conversar por mais de 1 hora com o grande baixista Aston
Barrett. Neste show fizemos contato também com outros músicos originais
do Wailers como o tecladista Earl Wire Lindo e o guitarrista Al
Anderson, além do baterista da épocaMichael Boo Richards e a irmã do Aston que estava no back vocal.O
mesmo ocorreu quando abrimos os shows do Clinton Fearon, Gregory Isaacs
e o Steel Pulse, quando rolou longos bate-papos com estes artistas, e
em especial o líder vocal do Steel Pulse David Hinds. Vale ressaltar a
extrema simpatia dogrande Clinton Fearon (ex-Gladiators). O contato com o
Gregory foi um tanto decepcionante devido a sua relação com drogas.
Em
alguns shows que a Rebel abriu eu atuei como promoter, quando era um
dos sócios do histórico clube de reggae Canto das Tribos, sendo o
contato com os artistas ainda mais proveitoso. Foi o caso dos Gladiators
e Alpha Blondy. Mas nada se compara a tocar com o artista, nos shows
que a Rebel atuou como banda de acompanhamento, quando tive a
oportuniudade de ensaiar na minha própria casa com nomes históricos como
Owen Gray, Eric Donaldson, Jackie Brown, Tiken Jah Fakoly e
recentemente Larry Marshall. Temos imagens amadoras, mas raríssimas dos
ensaios com estes artistas.
GM – O que vocês tem de material gravado em estúdio?
GZ -
Apesar de a gente possuir mais de 50 shows ao vivo gravados em cd ou
md, guardados como arquivo da banda, temos pouco material gravado em
estúdio. Nosso único CD “Canto das Tribos” foi lançado em 2005 de forma
independente. Algumas gravações de estúdio vazaram e estão saindo em CDs
não oficiais juntamente com gravações ao vivo. Entre elas: The Time Has
Come (própria), My Mind (versão do Hugh Mundell), Have You Ever Seen
the Rain (do Creedence) que foi bem tocada em São Luís e Wicked Babylon
(própria) – conseguiram uma cópia dela no estúdio que nem havia sido
mixada ainda. Gravamos também, sem lançar ainda, algumas das minhas
composições: Razão de Ser, Capital do Reggae e Chant & Pray.
Atualmente estamos gravando o primeiro cd de estúdio.
GM – As composições da banda feitas em patwa, desde quando elas são escritas, e como foi esse contato com o dialeto?
GZ -
Comecei a compor reggae em 1987, antes gostava de compor baladas soul e
música instrumental, só como hobby. Desde o início a maioria das letras
eram em inglês. A medida que eu fui compreendemndo melhor o patwa eu
fui incorporando o dialeto nas composições, sempre buscando fazer o
nosso som o mais próximo possível do autêntico reggae jamaicano. Como já
tinha facilidade com o inglês, conseguia enterder muitas letras de
reggae jamaicano. Ao realizar 3 viagens para a Jamaica e ao hospedar por
longos períodos o brother jamaicano Ivor Jones na minha casa, facilitou
muito meu contato com o patwa. Fiz também muitas pesquisas na Internet e
adquiri na Jamaica alguns livretos sobre o dialeto e inclusive uma
gramática de patwa.
GM – E o gosto pessoal dos músicos? O que vocês ouvem em casa? Costumam ir nas festas de reggae?
GZ
– A formação atual da Rebel, que é bastante jovem, tem mais músicos do
que regueiros. Contudo minha forte paixão e conhecimento do ritmo
compensa essa falta. Mas hoje todos se apaixonaram pelo ritmo e alguns
passaram a ouvir muito mais o reggae. Eu sou aficionado pelos compactos
de vinil do reggae jamaicano gravados entre 1971 e 1982. É comum aqui em
Fortaleza as “seções de reggae”, quando se reúnem os antigos
colecionadores e alguns músicos para curtir o bom reggae roots,
alternando entre vinil, cds e vídeos. Aqueles que apreciam até fazem sua
meditação natural a Jah. Minha obsessão pelo reggae me levou a
pesquisar e colecionar outros estilos musicais que possuem alguma
relação com o reggae e que eu ouvia no final da década de 70, antes de
eleger o reggae como música da minha vida: R&B dos anos 50 e a soul
music das décadas de 60 e 70, que inspirou tanto o próprio reggae; o
calypso e o soca de Trinidad & Tobago, o irmão mais próximo do
reggae em todo o Caribe; o Conpas e o Cadence do Haiti e Antilhas
francesas; Soukous do Congo-Zaire a melhor música do continente
africano. Recentemente eu descrobi um ritmo que aos poucos conquista os
regueiros cearenses, o Spouge criado na década de 70 na ilha de
Barbados, um ritmo impressionante próximo do roots reggae e bastante
raro, vale a pena pesquisar.
Quanto
às festas a gente sempre confere os shows das outras bandas locais de
reggae e dos nomes jamaicanos. Aqui rola umas festas com DJs de reggae
tocando direto do vinil, só pedradas roots e de vez em quando estou numa
dessas com minhas bolachas!
GM -
Como anda a cena de reggae no norte e nordeste do país, especialmente
no eixo Ceará-Maranhão? Como colecionador, o que você tem percebido em
relação aos pesquisadores e colecionadores brasileiros, suas coleções,
se há muitos discos raros, se a vitrola tem sido trocada pelo CDJ, as
radiolas…
GZ -
No Ceará a gente percebe uma forte resistência roots, tanto na
seqüência dos DJs, como no repertorio das bandas que muitos se inspiram
no estilo Rebel e nos clássicos roots do Bob, Jacob Miler, Gregory,
Burning Spear, etc. Algumas bandas assumiram a tendência roots mais
meditativa do Ponto de Equilíbrio. O fechamento do principal point do
reggae no Ceará, O Canto das Tribos, foi uma grande perda que esfriou a
cena por algum tempo. Hoje contamos com o Reggae Club, que vem reunindo
novamente a galera e algumas barracas de praia que sempre investiram no
reggae, como a Biruta. Alguns DJs como o Mr. Gazos, apesar da grande
bagagem no roots reggae, estão cada vez mais introduzindo o new roots e
até um pouco de ragga nas festas atraindo um público diferenciado. Aqui
existe um pouco daquela rivalidade roots X new. Algumas iniciativas
isoladas estão permitindo a continuação da vinda de importantes nomes do
reggae internacional para Fortaleza. Recentemente tivemos Larry Marshall, Midnite e Clinton Fearon.
No
Maranhão, percebe-se o crescente domínio das produções locais no
circuito reggae, o que é bom pelo desenvolvimento de uma indústria
musical própria, mas também traz muita produção imatura e descartável,
apesar de bons compositores como o Dub Brown. Sabemos que lá também
existe uma resistência roots que se manisfesta em festas de radiola
específica de “recordação” e alguns bares com som mecânico que só toca
os sucessos clássicos e antigos das radiolas.
GM – Quais são os atuais projetos da banda?
GZ -
A banda está em plena gravação do seu primeiro cd de estúdio que terá
15 faixas, sendo todas minhas composições. Como diferencial teremos uma
faixa instrumental, uma versão DJ de uma das faixas cantadas e uma
remixagem dub, no velho estilo Channel One / King Tubbys.Entre
as músicas incluídas estão alguns clássicos na Rebel como Rebellion,
Razão de Ser, Chant & Pray, Capital do Reggae, Nossa Filosofia e
América e algumas da nova safra como Rasta Today, Slaving Everyday,
Regra do Jogo e So Dread. Uma surpresa será a participação do legendário
Eric Donaldson cantando uma pedrada da Rebel Lion, Peace and Rest.
Escrevi mais de 80 composições roots reggae, que esperamos gravar em
mais uns 5 CDs a serem lançados no futuro.
GM – Algo a dizer para os fãs, e mesmo para os que estão conhecendo agora a banda?
GZ -
Primeiro é que ninguém deve estranhar que uma boa banda de roots reggae
venha de Fortaleza, a terra do forró, primeiro porque aqui temos
regueiros das antigas e vários conhecedores e colecionadores do melhor
roots reggae jamaicano. Há muita comunicação e influência dos nosso
estado companheiro o Maranhão. A Rebel Lion, apesar de não muito
conhecida fora do Nordeste, vem recebendo positivos comentários de que
escuta pelo fato de a gente fazer um reggae muito próximo do reggae
jamaicano da década de 70. É muito gratificante o respeito e admiração
que temos tido de grandes bandas que conheceram pessoalmente o nosso
trabalho, como a Tribo de Jah, Ponto de Equilíbrio, Leões de Israel,
Natiruts, Cidade Negra, etc. ..
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